Em um livro recente, Philip G. Altbach e colegas apresentam uma
comparação criteriosa da remuneração de docentes universitários em
diferentes países. Independentemente da pesquisa em questão, uma das
principais conclusões do relatório foi que este tipo de informação é
incrivelmente difícil de ser encontrada e sua análise é mais complexa
ainda, por causa de diferentes descontos e benefícios concedidos por
cada universidade, região ou país. Além disso, na maioria dos países
desenvolvidos as trajetórias individuais das carreiras docentes são
refletidas em salários diferenciados. Muitos países têm lutado no
sentido de desenvolver um sistema de ensino superior sólido, e a atração
de jovens motivados e talentosos é fundamental para o desenvolvimento
futuro de uma cultura de excelência — necessária para apoiar a educação
das futuras gerações. Contudo, no Brasil e em muitos países da América
Latina há uma forte tendência contra a remuneração baseada em mérito
acadêmico, particularmente nas universidades públicas, onde é realizada
uma parte considerável da pesquisa acadêmica. Neste artigo, cita-se o
exemplo de uma política pública do Estado de São Paulo que certamente
afetará a atração de jovens talentos para suas universidades, colocando
em risco o esforço da construção de um sistema de ensino superior de
alta qualidade já em evolução há mais de 60 anos.
Em principio, dados
sobre salários e remunerações deveriam ser de fácil rastreamento no
Brasil, onde um código de relativa isonomia tem regido os salários no
sistema de ensino superior. Apesar de diferenças na produtividade,
ensino, impacto e sucesso na atração de recursos financeiros adicionais,
a situação estabelecida indica que membros docentes no mesmo nível de
suas carreiras devem receber o mesmo estipêndio mensal. Na prática, a
situação é bem mais complexa, não apenas pelos aumentos de salários por
tempo de instituição, mas também quando são adicionadas (e eventualmente
incorporadas) remunerações por atribuições administrativas. Além disso,
alguns membros docentes recebem renda adicional de bolsas, ou trabalho
de consultoria. Para tornar as coisas mais complicadas, os salários
variam enormemente pelo tipo de instituição — privadas com fins
lucrativos, instituições federais públicas, privadas sem fins
lucrativos, pública estadual ou pública municipal.
Limitações no topo
Um
debate recente no Brasil levantou questões interessantes relacionadas
aos salários de docentes de nível sênior nas universidades públicas do
Estado de São Paulo (Universidade de São Paulo – USP, Universidade
Estadual de Campinas – Unicamp, e Universidade do Estado de São Paulo –
Unesp), instituições consideradas entre as melhores da América Latina,
conforme evidenciado em diferentes rankings. Desde 2003, em cumprimento à
legislação federal, o Estado de São Paulo vinculou os salários do setor
público à remuneração de seu governador, cuja compensação representa o
salário máximo pago a um servidor público estadual — conhecido como
“teto salarial” do funcionalismo público estadual. Não é de surpreender
que este teto possa ser ajustado em valores relativamente baixos por
conveniência política, particularmente para prevenir gastos por parte do
Estado. De igual modo, abre uma porta para políticas orientadas pelo
populismo, embora na realidade, o governador não dependa de um salário
mensal, pois ele ou ela recebe outros benefícios financeiros (tais como
moradia, motorista, refeições, etc.).
No Estado de São de Paulo, o
salário bruto do governador é atualmente de R$ 21.631,05. Para termos de
comparação internacional, descontando 27,5% de impostos, o salário
líquido máximo no Estado de São Paulo é de cerca de US$ 4.500 por mês, o
que leva a um estipêndio líquido anual de cerca de US$ 60.000 (com base
em 13 meses mais um terço de férias). Isso estabelece o salário máximo
permitido para professores titulares e funcionários administrativos em
nível sênior nas instituições do Estado de São Paulo, independentemente
dos anos de serviços prestados, mérito, prestígio, responsabilidades
administrativas ou qualquer outro fator. Tais valores certamente não são
competitivos internacionalmente.
Embora a lei atual que estabelece o
teto date de 2003, a Suprema Corte do país [o Supremo Tribunal Federal,
STF] decidiu recentemente que a legislação deverá ser aplicada mesmo
nos casos quando os salários estiverem acima do valor máximo permitido
antes de 2003. Em curto prazo, espera-se que grande número de docentes e
pessoal administrativo com condições necessárias para aposentadoria dê
início ao processo, quando seus salários forem reduzidos. Pior ainda,
será difícil encontrar docentes nos níveis mais altos da carreira
dispostos a ocupar funções administrativas, tais como chefes de
departamento, coordenadores de graduação, etc., sem a possibilidade de
remuneração adicional.
O desafio de atrair e reter talento
Obviamente,
reclamações sobre limitações dos salários de docentes podem ser
considerados como “politicamente incorretas” em um país onde o salário
mínimo é de R$ 788 (US$ 225), e o salário médio está abaixo de R$ 2.100
(US$ 600). Um salário bruto de mais de R$ 20.000 está certamente no
quintil mais alto. Em um país de enormes desigualdades sociais, fica
claro que ser parte do corpo docente de uma universidade pública
imediatamente posiciona o indivíduo no topo da pirâmide socioeconômica.
Contudo,
de uma perspectiva diferente, esforços têm sido feitos durante as
últimas seis décadas pelo Estado de São Paulo e o país, de uma forma
geral, no sentido de desenvolver pelo menos algumas universidades ditas
de classe mundial. Essas universidades de pesquisa são essenciais para o
desenvolvimento socioeconômico do país e, paradoxalmente, fundamentais
para reduzir as fortes desigualdades na sociedade brasileira.
A
estrutura salarial e o teto vigente, impostos sobre as universidades,
impedem a possibilidade de atrair os melhores jovens talentos
necessários para apoiar o desenvolvimento deste sistema universitário
que é ainda muito jovem. Por certo, membros docentes jovens e brilhantes
são fundamentais para a futura qualidade da pesquisa, ensino e
extensão, e para manter a colaboração e a competitividade com o mundo
globalizado. Como as universidades estaduais paulistas poderão manter o
sucesso, a força, o impulso e o fôlego se não forem capazes de atrair e
manter os melhores talentos?
Quanto vale um membro docente de nível
sênior? O que faz um jovem talento escolher uma carreira acadêmica? No
Brasil, assim como em outros países, parte da resposta da escolha
pessoal é a aparente liberdade acadêmica oferecida pelas carreiras do
ensino superior. Contudo, pelo menos no Brasil, isso veio com outros
benefícios, incluindo aposentadoria com salário integral (não mais
vigente) e estabilidade no emprego (até quando?). Embora a estabilidade
ainda permaneça, os salários no topo da ascensão profissional não são
mais competitivos com empresas no setor privado (comércio, serviços
etc.). Além disso, se compararmos o salário máximo atingido após muitos
anos de dedicação a uma universidade com seus equivalentes
internacionais, as diferenças são demasiadamente grandes. Em um mercado
global competitivo, isso tem uma importância tremenda.
Política nacional e excelência acadêmica
As
universidades são, em princípio, um espaço privilegiado, onde a
meritocracia deveria representar um papel importante. Na maior parte do
sistema do ensino superior brasileiro, um membro do corpo docente pode
ser muito bem remunerado sem necessariamente demonstrar um bom
desempenho. Este fato drena a motivação de docentes mais produtivos.
Além disso, a existência de um salário máximo pré-definido representa
uma desvantagem para o caminho árduo de ter instituições de classe
mundial. As universidades do Estado de São Paulo precisarão encontrar
soluções criativas para vencer uma deficiência tão significativa e
seguir avançando.
Limitar os salários no topo da carreira
profissional, por razões políticas, que levam a desvantagens
competitivas com alternativas no mercado de trabalho nacional e global,
certamente prejudicará um sistema universitário ainda nascente,
construído com esforço conjunto durante anos recentes. Infelizmente,
esta questão é compartilhada por outros países em desenvolvimento que
lutam para estabelecer um bom sistema de ensino superior. No caso de
muitos países na América Latina, as universidades públicas são os
principais atores no desenvolvimento da pesquisa e inovação. Estas
universidades são fortemente regulamentadas por políticas nacionais que
prejudicam a diferenciação acadêmica apoiada pela compensação financeira
racional — tornando difícil a atração de jovens talentos para a vida
acadêmica, bem como membros docentes com perfis específicos. Embora deva
ser claro, cabe destacar que os professores são o centro da academia, e
seu envolvimento, retenção e motivação são elementos-chave para a
sobrevivência das universidades.
Conteúdo original disponível em:
https://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/artigos/estrutura-e-teto-salarial-impostos-sobre-as-universidades-impedem-atracao-de-jovens-talentos
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